Jean Jacques Lacan

09/10/2011 03:58

 

Jean Jacques Lacan
 
Jacques-Marie-Émile Lacan, nasceu em Pariss, em 13 de abril de 1901, em uma família burguesa de origem provinciana cuja origem paterna é de fabricantes de vinagres de Orléans (os Dessaux), e de sólida tradição católica. Lacan perdeu a fé no final dos anos 20, esse foi o clímax de uma verdadeira interrogação. Como se fizera com seus outros irmãos, acrescentou-se ao seu nome o da Virgem Maria. Progressivamente, renunciaria a esse nome, nos diversos textos escritos no período entre-guerras. Seu pai, Alfred Lacan (1873-1960) era um homem fraco e trabalhava como representante comercial da empresa de vinagres, esmagado pelo poder de seu próprio pai, Émile Lacan (1839-1915). Quanto à sua mãe, Émilie Baudry (1876-1948), mais intelectual, era inteiramente voltada para a religião. Esse clima familiar, até mesmo banal, horrorizava o jovem Lacan.
Lacan era filho primogênito, depois dele viria uma irmã, Madeleine, nascida em 1903, um irmão, Raymond, morto na infância e enfim Marc-François (1908-1994), que teria por ele grande afeição. Em 1929, Marc-François se tornou monge beneditino e entrou para a abadia de Hautecombe, situada às margens do lago do Bouget, tendo inclusive participado do “Vocabulaire de théologie biblique”, publicado sob a direção de Xavier-Léon Dufour, com uma contribuição sobre o dom da presença de Deus.
Em 1918, o jovem não encontrou entre os que voltaram da guerra o pai carinhoso, moderno e cúmplice, que tanto amava na infância. No entanto, tinha sido uma tia materna quem percebera a precocidade do menino, permitindo que estudasse no colégio Stanislas, em Paris; seu condiscípulo Louis Lepreince-Ringuet relatou seus dotes de então para a Matemática. Depois de estudos no Colégio Stanislas, Lacan rompeu com o catolicismo. 
Com a idade de 16 anos, admirava a “Ética” de Baruch Spinoza (1632-1677). Um ano depois, voltou-se para o nietzscheísmo, e durante algum tempo ficou fascinado com Charles Maurras (1868-1952), cujo estetismo e gosto pela língua adotou. Enfim, interessou-se pela vanguarda literária. Alfred Lacan, que desejava que seu filho mais velho assumisse a sucessão de seus negócios e desse um impulso decisivo ao comércio de mostarda, não compreendia nem aprovava sua evolução. Quanto a Émilie Lacan, ignorava tudo sobre a vida que o filho levava, fora dos caminhos da religião e do conformismo burguês.
O provinciano foi introduzido na vida mundana da capital, sendo seduzido por ela; essa dissipação não o impediu de associar aos sólidos estudos médicos um interesse eclético, mas despido de amadorismo, pelas Letras e pela Filosofia (mais os pré-socráticos e Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel [com Kojève] e Marx (com Gilson), pela História (Marc Bloch e les Annales), pela lingüística (F. de Saussure, em seus primórdios) e pelas ciências exatas (em particular, a Lógica, com B. Russel e Couturat)). 
Como primeira publicação, tem-se dele um poema publicado em “Lê Phare de Neuilly” dos anos 20; obra de fatura clássica, em alexandrinos bem ritmados e de leitura sempre agradável, sem dúvida devido à submissão da forma ao fundo. Os estudos de psiquiatria misturaram-se com a freqüência aos surrealistas, o que o colocou entre os dois meios. Mais tarde, irá dizer que a apologia do amor pareceu a ele um impasse irredutível do movimento de A. Breton).
Na Paris dos anos 1920, este aspirava à glória, comparava-se a Rastignac, freqüentava a livraria de Adrienne Monnier e os surrealistas, assistia com entusiasmo à leitura pública do “Ulisses” de James Joyce (1882-1941), ligando-se a escritores e poetas. Tornando-se residente no Hospital Sainte-Anne, onde foi aluno de Henri Claude ao mesmo tempo que seu amigo Henri Ey, orientou-se para a psiquiatria, seguindo os ensinamentos de Georges Heuyer (1884-1977), Georges Dumas (1866-1946) e Gaëtan Gatian de Clérambault, cujo estilo deixaria nele uma forte marca. Em junho de 1932, começou sua análise didática com Rudolph Loewenstein e, no fim do ano, publicou sua tese sobre a história de uma mulher criminosa (Marguerite Anzieu), da qual fez um caso de paranóia de auto-punição (o caso Aimée).
Na sua tese de medicina, “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade”, de 1932, foi um momento inaugural da sua carreira de médico psiquiatra. É assim uma ilustração clínica das potencialidades do amor, quando esse é levado ao extremo: a facada dada por Aimée na vedete que, a título de ideal, absorvia seu investimento libidinal. Porém, este estudo também representa uma ruptura com os trabalhos dos psiquiatras franceses da época, que viam na psicose paranóica um agravamento dos traços que definiam o caráter paranóico. G.G. de Clérambault, o único mestre que conseguiu apóia-lo e em relação ao qual Lacan confessará sua dívida por toda a vida, irá condena-lo, acusando-o de plágio. O cenário está montado, e nunca irá mudar: a independência de um pensamento solidamente argumentado, em choque com os mestres, a quem ele contraria e dessa forma põe a nu; e também a negativa em ceder ao orgulho do solitário. Seus estudos sobre paranóia, de fato, mostram a ele que os traços manifestados ao mundo pelo doente, são os seus, por ele próprio ignorado (dir-se-ia projetado); e um texto precoce, “Sobre a asserção de certeza antecipada” ilustra, a respeito de um sofisma, que a salvação individual não é um negócio privado, mas da inteligência coletiva, ainda que concorrente. Não há, pois, belas almas, o que seus alunos a seguir não deixarão de lhe censurar, pois não tinha nada mais a lhes propor do que a honestidade intelectual: cada um deve dela deduzir sua moral.
A descrição fenomenológica exaustiva de um caso, sua tese, dirá Lacan, levou-o à psicanálise; o único meio de determinar as condições subjetivas da prevalência do duplo na constituição do eu.
Magnífica síntese de todas as aspirações freudianas e anti-organicistas da nova geração psiquiátrica francesa dos anos 1920, esse trabalho foi imediatamente considerado uma obra-prima por René Crevel (1900-1935), Salvador Dali (1904-1989) e Paul Nizan (1905-1940), principalmente, que apreciaram a utilização feita por Lacan dos textos romanescos da paciente e da força doutrinária de sua posição quanto à loucura feminina. No ano seguinte, na revista “Lê Minotaure”, Lacan dedicou um artigo ao crime cometido em Mans por duas domésticas (as irmãs Papin) contra suas patroas. Viu nesse ato, de uma intensa selvageria, uma mistura de delírio a dois, de homossexualidade latente, mas antes de tudo o surgimento de uma realidade inconsciente que escapava às próprias protagonistas. Desse drama Jean Genet (1910-1986) tirou uma peça, “Les Bonnes”, e Claude Chabrol um filme, sessenta anos depois, “La Cérémonie”.
Lacan era estimado como um brilhante intelectual fora dos meios psicanalíticos franceses, porém sofreu por não ser reconhecido pela Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), na qual seus trabalhos não eram levados em conta e seu anticonformismo causava irritação.
Sua análise com Loewenstein durou seis anos e meio, e acabou com um fracasso e um desentendimento duradouro entre ambos. Finalmente, graças à intervenção de Édouard Pichon, Lacan foi titularizado em 1938. Pichon reconhecia seu gênio e queria fazer dele, apesar de seu hegelianismo, o herdeiro de uma tradição “francesa” do freudismo, Lacan nunca obedeceria a essa injunção.
A passagem por Paris, em 1933, dos psicanalistas berlinenses a caminho dos Estados Unidos, deu-lhe a ocasião de dirigir-se mais a R.Loewenstein do que a A. Hesnard, R. Laforgue, E. Pichon e até mesmo à princesa Bonaparte. Uma carta que dirigiu a Loewenstein, em 1953, quando de seus atritos com o Instituto de Psicanálise, publicada muito mais tarde, testemunha uma relação de confiança com seu psicanalista, baseada em uma comunhão de rigor intelectual; essa não irá impedir, aliás, seu correspondente, então nos Estados Unidos, de condena-lo, diante de seus pares.
A paisagem psicanalítica francesa no pré-guerra era, à maneira de nossas vilas, organizadas ao redor do campanário. Não seria ofender aos seus protagonistas dizer que todos pareciam ter sido delegados por sua capela para controlar um produto importado da Viena cosmopolita: Hesnard era médico da Royale, Laforgue se envolveu na vida da colaboração, Pichon era maurassiano.
Em 1934, casou-se com Marie-Louise Blondin (1906-1983), irmã de seu amigo Sylvain Blondin (1901-1975), apelidada Malou. A viagem de núpcias foi na Itália. Pela primeira vez, Lacan descobriu com encantamento a cidade de Roma, pela qual se apaixonou, como Freud. Mas a cidade antiga lhe interessava menos do que a Roma católica e barroca. Durante horas, contemplou os êxtases de Bernini e a arquitetura das igrejas e dos monumentos.
Desde o início, o casamento foi insatisfatório. Malou acredita ter-se casado com um homem perfeito, cuja fidelidade conjugal estaria à altura de seus sonhos de felicidade. Ora, Lacan não era esse homem, nem nunca seria. Três filhos nasceram: Caroline (1937-1973), Thibaut, Sibylle.
A partir de 1936, Lacan iniciou-se na filosofia hegeliana, no seminário que Alexandre Kojève (1902-1968) dedicou à “Fenomenologia do espírito”. Ficou conhecidos Alexandre Koyré (1892-1964), Georges Bataille (1897-1962) e Raymond Queneau (1903-1976). Freqüentou a revista “Recherches Philosophiques” e participou das reuniões do Collège de Sociologie. Desses anos de grande riqueza cultural e teórica, tirou a certeza de que a obra freudiana devia se relida “ao pé da letra” e à luz da tradição filosófica alemã. 
Em 1936, cruzou pela primeira vez a história do freudismo internacional indo a Marienbad para o Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA). Nesse congresso, apresentou uma exposição sobre o estádio do espelho. Mas Ernest Jones cortou-lhe a palavra apenas com dez minutos de sua exposição. Foi em seguida para Berlim assistir ao Jogos Olímpicos. O triunfo do nazismo provocou nele um sentimento de repugnância.
Em 1938, a pedido de Henri Wallon (1879-1962) e de Luciene Febvre (1878-1956), fez um balanço sombrio das violências psíquicas próprias da família burguesa em um verbete da “Encyclopédie française”. Constatando que a psicanálise nascera do declínio do patriarcado, Lacan apelava para a revalorização de sua função simbólica no mundo ameaçado pelo fascismo.
Desde 1937, apaixonou-se por Sylvia Maklès-Bataille (1908-1993). Separada nessa época de Georges Bataille mas continuando a ser sua esposa, atuou em um filme de Jean Renoir (1894-1979), “Ume partie de campagne”. Era mãe de uma menina, Laurence Bataille (1930-1986), que se tornaria uma notável psicanalista. 
Proveniente de uma família judia romena, Sylvia Bataille integrou-se à alegre equipe do grupo Octobre, com Jacques-Bernard Brunius, Raymond Busseères e Joseph Kosma. Sob a direção de Jacques (1900-1977) e Pierre Prévert, os outubristas procuravam renovar o teatro popular, inspirando-se em Bertolt Brecht (1898-1956) e Erwin Piscator (1893-1966). A irmã mais velha de Sylvia, Bianca, se casou com o poeta surrealista Theodor Frankel, a mais nova, Rose, com André Masson (1896-1987) e a terceira, Simone, com Jean Piel, diretor da revista “Critique”.
Somente Marie Bonaparte tinha por Freud um apego transferencial que não podia ser negado; ela foi, aliás, a única visita de Freud, a caminho de Londres, quando de sua passagem por Paris, em 1939. Seja qual for, o meio parecia aguardar que um homem jovem, bem dotado e de boa família, contribuísse na invenção de uma psicanálise entre nós.
Mais uma vez, a decepção foi recíproca. Na última edição da “Revue Française de Psychanalyse”, a única publicada em 1939, uma crítica de Pichon comenta o artigo de Lacan sobre “A Família”, publicado em “L’Encyclopédie française”, a pedido de Anatole de Monzie, deplorando nele um estilo marcado mais pelos idiomatismos alemães do que pela bem conhecida clareza francesa. Depois da guerra, novamente irá se encontrar, em 1945, o traço de Lacan, com um artigo publicado louvando “a psiquiatria inglesa durante a guerra”.
Quando a guerra começou, Sylvia Bataille se refugiou na zona livre. A cada quinze dias, Lacan a visitava. Em Paris, ele interrompeu toda sua atividade pública, recebendo apenas sua clientela particular. Sem pertencer à Resistência, manifestou claramente hostilidade a todas as formas de anti-semitismo. Tinha horror do regime de Vichy e de tudo o que se referisse, de perto ou de longe, à Colaboração.
Entretanto, era principalmente com sua vida privada que ele se preocupava durante os dois primeiros anos de guerra. Em setembro de 1940, Lacan encontrou-se em uma situação insustentável. Anunciou à sua mulher legítima, que estava grávida de oito meses, que Sylvia, sua companheira, também esperava um filho. Malou pediu o divórcio imediatamente e foi em plena crise de depressão que deu à luz, a 26 de novembro, uma menina à qual deu o nome de Sibylle. “Quando eu nasci, escreveria esta em 1994, meu pai não estava mais conosco. Até poderia dizer que, quando fui concebida, ele já estava em outro lugar [...]. Sou o fruto do desespero. Alguns dirão que sou fruto do desejo, mas não creio nisso.” Oito meses depois, em 3 de julho de 1941, Sylvia deu à luz a quarta dos filhos de Lacan, Judith, registrada com o sobrenome de Bataille. Só poderia usar o nome do pai em 1964. Essa impossibilidade de transmitir o sobrenome seria uma das determinações inconscientes da elaboração do conceito lacaniano de Nome-do-Pai.
No início do ano de 1941, Lacan instalou-se na rue de Lille nº5. Ficaria ali até a morte. Em dezembro, seu casamento com Marie-Louse Blondin foi desfeito por divórcio e em 1943 Sylvia se instalou no nº3 da mesma rua com suas duas filhas, Laurence e Judith. Em julho de 1953, divorciada de Georges Bataille desde agosto de 1946, casou-se com Lacan, na prefeitura de Tholonet, perto de Aix-em-Provence. Durante muitos anos, a pedido de Malou, Lacan não revelaria aos filhos de seu primeiro casamento a existência do segundo lar, onde criava duas filhas, a sua e a de Bataille. Essa confusão teria conseqüências dramáticas para as duas famílias.
“Lacan não tinha absolutamente, como objetivo, reinventar a psicanálise, escreveu Jaques-Alain Miller. Pelo contrário, situou o começo de seu ensino sob o signo de um “retorno a Freud”; apenas perguntou, a respeito da psicanálise: sob que condição ela é possível?” Em 1950, Lacan começou esse retorno aos textos de Freud, baseando-se, ao mesmo tempo, na filosofia heideggeriana, nos trabalhos da lingüística saussuriana e nos de Lévi-Strauss. Da primeira, adotou um questionamento infinito sobre o estatuto da verdade, do ser e de seu desvelamento; da lingüística, extraiu sua concepção do significante e de um inconsciente organizado como uma linguagem; do pensamento de Lévi-Strauss deduziu a noção de simbólico, que utilizou em uma tópica (simbólico, imaginário, real: S.I.R.), assim como uma releitura universalista da interdição do incesto e do complexo de Édipo.
Revalorizando o inconsciente e o isso, em detrimento do eu, Lacan atacou uma das grandes correntes do freudismo, a “Ego Psychology”, da qual seu ex-analista se tornara um dos representantes, e que ele assimilava a uma versão edulcorada e adaptativa da mensagem freudiana. Chamava-a de “psicanálise americana” e lhe opunha a peste, isto é, uma visão subversiva da teoria freudiana, centrada na prioridade do inconsciente. Como fizera no período entre guerras, Lacan continuou então a estabelecer fortes relações fora do meio psicanalítico: com Roman Jakobson (1896-1982), Claude Lévi-Strauss, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Graças a Jean Beaufret (1907-1982), de quem era analista, encontrou-se com Martin Heidegger (1889-1976).
Na SPP, Lacan atraiu muitos alunos, fascinados pelo seu ensino e desejosos de romper com o freudismo acadêmico da primeira geração francesa. Começou então a ser reconhecido ao mesmo tampo como didata e como clínico. Seu senso agudo da lógica da loucura, sua abordagem original do campo das psicoses e seu talento lhe valeram, ao lado de Françoise Dolto, um lugar especial aos olhos da jovem geração psiquiátrica e psicanalítica.
Em 1951, Lacan comprou uma casa de campo, a Prévôté, situada em Guitrancourt, a cerca de cem quilômetros de Paris. Retirava-se para lá aos domingos, para trabalhar e também para receber seus pacientes ou dar recepções. Adorava fazer teatro para os amigos, fantasiar-se, divertir-se e às vezes usar roupas extravagantes. Nessa casa, colecionou um número considerável de livros que, ao longo dos anos, formaram uma imensa biblioteca, cuja simples consulta demonstra o tamanho de sua paixão pelo trabalho intelectual. Em um cômodo que dava para o jardim, organizou um escritório repleto de objetos de arte. No jirau que dominava a peça única, pendurou o famoso quadro de Gustave Courbet (1819-1877) “A origem do mundo”, que comprou a conselho de Bataille e de Masson.
Como todos os outros países, depois da Segunda Guerra Mundial, a França freudiana entrou na era dos conflitos, das crises e das controvérsias. A primeira cisão francesa se produziu em 1953, e se desenrolou em torno da criação de um novo instituto de psicanálise e da questão da análise leiga. Tendo como líder Sacha Nacht, os adeptos da ordem médica se opunham aos universitários liberais, que cercavam Daniel Lagache e defendiam os alunos do instituto, revoltados com o autoritarismo de Nacht.
Contestado, ao longo dessa crise, pela sua prática das sessões de duração variável (ou sessões curtas), que questionavam o ritual da duração obrigatória (45-50 minutos), imposto pelos padrões da IPA, Lacan ficou do lado dos universitários. Certamente, mostrava-se favorável à análise leiga, mas não compartilhava nenhuma das teses de Lagache sobre a psicologia clínica. Recusando qualquer idéia de assimilação da psicanálise a uma psicologia qualquer, considerava os estudos de filosofia, de letras ou de psiquiatria como as três melhores vias de acesso à formação dos analistas. Reatou assim com o programa projetado por Freud, quando do congresso da IPA em Budapeste, em 1918.
Seus trabalhos, empreendidos no âmbito da Associação Internacional fundada por Freud, a obra de Lacan encontraria seus referenciais institucionais na sucessão dos grupos de que ele foi fundador e mentor através de uma série de cisões e inovações. 
Violentamente hostil a Lacan e impressionada com a agitação de seus alunos, Marie Bonaparte, mesmo favorável à análise leiga, deu apoio ao grupo de Nacht, provocando assim a partida dos liberais e da grande maioria dos alunos. Lagache fundou então a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP, 1953-1963), formada por Lacan, Dolto, Juliette Favez-Boutonier, e pelos principais representantes da terceira geração psicanalítica francesa: Didier Anzieu, Jean Laplanche, Jean-Bertrand Pontalis, Serge Leclaire, François Perrier, Daniel Wildlöcher, Jenny Aubry, Octave Mannoni, Maud Mannoni e Moustapha Safouan. A exceção de Wladimir Granoff, todos estavam (ou tinham estado) em análise ou em supervisão com Lacan. 
O motivo do rompimento com a IPA foi a decisão tomada pela Sociedade Parisiense de fundar um Instituto de Psicanálise, encarregado de ministrar um ensino regulado e diplomável, tendo como modelo o da faculdade de Medicina. No entanto, a ignoraria o caráter ambíguo e espontaneamente falacioso de nossa relação com o saber, quando ele é imposto? Mas a realidade sem dúvida, era mais banal: o seminário de Lacan, os cursos na Sorbone de Legache e de Favez-Boutonier, o carisma de Dolto, atraíam a maioria dos estudantes, que, aliás, acompanharam-nos nesse êxodo. Este conheceu a atmosfera estimulante e fraterna das comunidades de liberados por sua partida..
Quando do primeiro congresso da SFP, que se realizou em Roma em setembro de 1953, Lacan fez uma notável intervenção, “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise” (ou “Discurso em Roma”), na qual expôs os principais elementos de seu sistema de pensamento, provenientes da lingüística estrutural e de influências diversas, oriundas da filosofia e das ciências. Elaborou vários conceitos (sujeito, imaginário, simbólico, real, significante), que desenvolveria ao longo dos anos enriquecendo-os com novas formulações clínicas e depois lógico-matemáticas: foraclusão, Nome-do-Pai, matema, nó borromeano, sexuação.
Graças a seu amigo Jean Delay, obteve um anfiteatro no Hospital Sainte-Anne. Durante dez anos, duas vezes por mês realizou ali seu seminário, comentando sistematicamente todos os grandes textos do corpus freudiano e dando assim origem a uma nova corrente de pensamento: o lacanismo. O “Discurso de Roma” foi publicado no primeiro número de “La Psychanalyse”, revista da SFP. A cada ano, Lacan daria a essa revista o texto de suas melhores conferências, que eram uma espécie de resumo dos temas do seminário. Também publicaria nela artigos de Martin Heidegger, Émile Benveniste, Jean Hyppolite (1907-1968) e muitos outros.
Durante dez anos, o ensino de Lacan deu à comunidade freudiana francesa um desenvolvimento considerável: “nossos mais belos anos”, diriam os ex-combatentes desse grupo em crise e desse movimento em busca de reconhecimento. 
Ao deixar a SPP, os fundadores da SFP tinham perdido, sem se dar conta, sua filiação à IPA. A partir de 1953, iniciaram-se negociações com a executiva central, para que esse segundo grupo francês fosse filiado. Nessa época, ninguém pensava em se emancipar da legitimidade freudiana, muito menos Lacan. Apoiados por ele, Granoff, Leclaire e Perrier formaram uma “tróica”, cuja tarefa era negociar a reintegração da SFP. Depois de anos de discussão e intercâmbio, o comitê executivo da IPA recusou a Lacan e a Dolto o direito de formar didatas. As razões dessa recusa eram complexas. Lacan era acusado de transgressão das regras técnicas, principalmente das que determinavam a duração das sessões. Quanto a Dolto, o problema era, em parte, sua maneira de praticar a psicanálise de crianças, mas também sua formação didática: nessa época, os alunos de René Laforgue foram convidados a fazer uma nova análise.
A segunda cisão (“excomunhão”, como diria Lacan) do movimento psicanalítico ocorreu durante o inverno de 1963. Foi vivida como um desastre por todos os membros da SFP, tanto pelos alunos quanto pelos negociadores: Leclaire, Lacan, Granoff, Perrier, e Pierre Turquet pela Grã-Bretanha.
Em 1964, a SFP foi dissolvida e Lacan fundou a École Freudienne de Paris (EFP), enquanto a maioria de seus melhores alunos se posicionou ao lado de Lagache, na Associação Psicanalítica da França (AFP), reconhecida pela IPA. Obrigado a deslocar seu seminário, Lacan foi acolhido, graças à intervenção de Louis Althusser, em uma sala da École Normale Supérieure (ENS), na rue d’Ulm, onde pôde prosseguir seu ensino.
Em um artigo de 1964, Althusser fez um belo retrato de Lacan, bastante preciso. Apreendeu muito bem suas grandezas e fraquezas, seu rigor teórico, sua dor nos combates: “Daí a paixão contida, escreveu ele, a contenção apaixonada da linguagem de Lacan, que só pode viver e sobreviver em estado de alerta e prevenção. Linguagem de um homem assediado e condenado, pela força esmagadora das estruturas e das corporações, a prever seus golpes, a pelo menos fingir que responde a eles antes de recebe-los, desencorajando assim o adversário de abate-lo sob os seus [...]. Tendo que ensinar a teoria do inconsciente a médicos, analistas ou analisados, Lacan lhes dá, na retórica de sua fala, o equivalente mimético da linguagem do inconsciente, que é, como todos sabemos, em sua essência última, Witz, trocadilho, metáfora, bem ou malsucedida: o equivalente da experiência vivida em sua prática, seja ela de analista ou de analisado.”
Na ENS, Lacan conquistou um novo auditório, uma parte da juventude filosófica francesa, à qual Althusse confiou o cuidado de trabalhar seus textos. Entre eles, encontrava-se Jacques Alain Miller, que se casou com Judith Lacan em 1966. Tornou-se redator dos seminários do sogro, seu executor testamentário e o iniciador, a partir de 1975, de uma corrente neolacaniana no próprio interior da EFP.
Em 1965, com o estímulo da François Wahl, Lacan fundou a coleção “Champ Freudien” nas Éditions du Seuil e, no ano seguinte, em 15 de dezembro de 1966, publicou os Escritos. A obra mostrava os vestígios de sua difícil elaboração: reescrita do próprio Lacan, correções múltiplas de Wahl, comentários de Miller. Lacan recebeu enfim a consagração esperada e merecida: 5.000 exemplares foram vendidos em 15 dias, antes mesmo que aparecessem resenhas na imprensa. Mais de 50.000 exemplares foram vendidos na edição comum e a venda da edição de bolso bateria todos os recordes para um conjunto de textos tão difíceis: mais de 120.000 exemplares o primeiro volume, mais de 55.000 o segundo. Doravante, Lacan seria reconhecido, celebrado, odiado ou admirado como um pensador de envergadura, e não mais apenas como um mestre da psicanálise. Sua obra seria lida e comentada por inúmeros filósofos, entre os quais Michel Foucault (1926-1984) e Gilles Deleuze (1925-1995).
Antes mesmo do aparecimento do seu “opus magnum”, Lacan foi aos Estados Unidos, convidado para o simpósio sobre o estruturalismo organizado em outubro de 1966 por René Girard e Eugenio Donato, na Universidade Johns Hopkins, de Baltimore: “Em Baltimore, escreveu Derrida, ele me falou sobre como pensava que o leriam, especialmente eu, depois de sua morte [...]. A outra inquietação que ele me confidenciou se referia aos “Écrits”, que ainda não tinham sido publicados, mas que logo o seriam. Lacan estava preocupado, um pouco descontente, pareceu-me, com aqueles que na editora lhe aconselharam reunir tudo em um único volume [...]. Você verá, disse ele, fazendo um gesto com a mão, vai soltar.” Lacan voltou aos Estados Unidos em 1976, para fazer uma série de conferências nas universidades da costa leste. A leitura de sua obra ficaria limitada aos intelectuais, às feministas e aos professores de literatura francesa.
Confrontado com o gigantismo da EFP, Lacan tentou resolver os problemas de formação com a introdução do passe, novo procedimento de acesso à análise didática. Aplicado a partir de 1969, provocou a partida de um grupo de analistas oponentes (Perrier, Piera Aulagnier, Jean-Paul Valabrega), que formaram uma nova escola: a Organização Psicanalítica de Língua Francesa (OPLF) ou Quarto Grupo. Essa cisão, a terceira da história do movimento francês, marcou a entrada da EFP em uma crise institucional que resultou em sua dissolução a 5 de janeiro de 1980, e depois na dispersão do movimento lacaniano em cerca de vinte associações.
Em 1974, Lacan dirigiu, na Univerdidade de Paris-VIII, no departamento de psicanálise, fundado por Serge Leclaire em 1969, um ensino do “Campo freudiano”, cuja responsabilidade confiou a Jacques-Alain Miller. Encorajou então a transformação progressiva de sua doutrina em um corpo de doutrina fechado, enquanto trabalhava para fazer da psicanálise uma ciência exata, baseada na lógica do matema e na topologia dos nós borromeanos.
Atingido por distúrbios cerebrais e por uma afasia parcial, depois de passar sozinho um final de agosto, morre Lacan, em 9 de setembro de 1981, na Clínica Hartmann de Neuilly, depois da ablação de um tumor maligno do cólon. Tendo sido enterrado com uma discrição que não permitiu que muitos de seus alunos mais próximos rendessem a ele a homenagem que lhe deviam.
Certo dia, quando conversava com sua amiga Maria Antonietta Macciocchi, Lacan lhe fez uma confidência: “Ah, minha cara, os italianos são tão inteligentes! Se eu pudesse escolher um lugar para morrer, seria em Roma que eu gostaria de acabar os meus dias. Conheço todos os ângulos de Roma, todas as fontes, todas as igrejas... Se não fosse Roma, eu me contentaria com Veneza ou Florença: eu sou sob o signo da Itália.”
Dentre os grandes intérpretes da história do freudismo, Jacques Lacan foi o único a dar à obra freudiana uma estrutura filosófica e a tira-la de seu ancoramento biológico, sem com isso cair no espiritualismo. O paradoxo dessa interpretação inovadora única é que ela reintroduziu na psicanálise o pensamento filosófico alemão, do qual Sigmund Freud se tinha voluntariamente afastado. Essa poderosa contribuição fez de Lacan o único verdadeiro mestre da psicanálise na França, o que lhe valeu muita hostilidade. Mas se alguns de seus ferozes adversários foram injustos, ele se prestou à crítica ao cercar-se de discípulos pedantes, que contribuíram para obscurecer um ensino certamente complexo e muitas vezes enunciado em uma língua barroca e sofisticada, mas perfeitamente compreensível (pelo menos até 1970).
Lacan sofria de inibições na escrita e precisou de ajuda para publicar seus textos e transcrever o famoso seminário público, que se realizou de 1953 a 1979. Nove seminários entre vinte e cinco foram “estabelecidos” e publicados por seu genro, Jacques-Alain Miller, entre 1973 e1995. O vigésimo sexto seminário, do ano 1978-1979, é “silencioso”, pois Lacan não mais podia falar.
Jacques Lacan redigiu cerca de 50 artigos, em geral oriundos de conferências: 34 deles, os mais importantes, foram reunidos pelo editor François Wahl em 1966, em uma imponente obra de 900 páginas, intitulada “Écrits”, à qual se devem acrescentar as “variantes” realizadas em 1994 por Angel de Frutos Salvador. Um grande artigo de Lacan, publicado em 1938, foi editado em livro por Jacques-Alain Miller em 1984 (Les complexes familiaux), outro, “L’Étourdit”, foi publicado na revista “Scilicet”, fundada por Lacan. Enfim, duas entrevistas foram realizadas, uma por Robert Georgin para a Rádio Televisão Belga (“Radiophonie”), outra por Jacques-Alain Miller, para um filme do serviço de pesquisas da ORTF, realizado por Benoit Jacquot (Télévision). Jacques Lacan escreveu apenas um livro, sua tese de medicina de 1932 publicada sob o título “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, na qual relatou o caso de Marguerite Anzieu.
Seus outros artigos, assim como suas numerosas intervenções em colóquios ou na École Freudienne de Paris (EFP) estão dispersos em várias revistas. Sua correspondência é quase inexistente: 247 cartas recenseadas por Elisabeth Roudinesco em 1993. A obra de Lacan está traduzida em 16 línguas, e Jöel Dor realizou a melhor bibliografia do conjunto de títulos, publicados e inéditos.
Jacques Lacan reinterpretou quase todos os conceitos freudianos, assim como os grandes casos (Herbert Graf-Hans, Ida Bauer, Serguei Constantinovitch Pankejeff, Ernst Lanzer e Daniel Paul Schreber) e acrescentou ao corpus psicanalítico sua própria conceitualidade.
Existem dois dicionários dos conceitos lacanianos: um em inglês, realizado por Dylan Evans, outro em espanhol, por Ignácio Garate e José Miguel Marinas. Alguns dos mais belos comentários da obra de Lacan foram escritos por filósofos: Louis Althusser (1918-1990), Jacques Derrida, Christian Jambet, Jean-Claude Milner e Bernard Sichère.

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